Onze pessoas de uma mesma família foram resgatadas de situação análoga à de escravos nesta semana em Santa Inês, município do centro sul baiano, a 300km de Salvador. O grupo trabalhou por 30 dias em uma fazenda de gado pertencente ao ex-prefeito da cidade, José Wilson Nunes Moura, sem registro e sem pagamento de salários, até ser expulso da propriedade. Os trabalhadores estavam acompanhados de crianças e adolescentes, sendo que uma delas, de 14 anos, também trabalhou na fazenda, chegando ao total de 19 pessoas. Um termo de ajuste de conduta foi firmado, garantindo o pagamento das verbas rescisórias e indenização por danos morais coletivos, no valor total de R$137 mil.
A operação foi feita durante toda a semana. Inicialmente, a força-tarefa, composta por servidores do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), da Defensoria Pública da União (DPU) e da Secretaria da Justiça e Direitos Humanos (SJDH) do Governo do estado, entrevistou os trabalhadores no assentamento onde estão vivendo desde que foram expulsos da propriedade. Após colher os depoimentos, foi necessário pedir apoio operacional à Polícia Rodoviária Federal (PRF) para ir até a fazenda, onde as informações prestadas pela família foram confirmadas, configurando a existência de trabalho degradante.
“O TAC garante o pagamento das rescisões, deixando em aberto a possibilidade de futuras ações judiciais movidas pelos trabalhadores para pedir indenizações e até valores maiores para a rescisão”, explicou a procuradora do MPT Carolina Ribeiro, que integrou a força-tarefa. Com o documento, o ex-prefeito de Santa Inês, José Wilson Nunes Moura, passa a ser obrigado a registrar todos os trabalhadores, fornecer equipamentos de proteção, água potável e alimentação, além de garantir um ambiente de trabalho livre de riscos ocupacionais, dentre outras obrigação, sob pena de multas.
Durante a inspeção na fazenda, foram constatadas irregularidades que causavam risco grave à saúde e segurança dos trabalhadores nos alojamentos e no armazenamento de agrotóxicos. Dessa forma, o galpão de armazenagem e os alojamentos onde a família viveu durante o mês de trabalho foram interditados pela auditoria-fiscal do trabalho. Segundo a auditora-fiscal do MTE Liane Durão, que participou da operação “aquela família laborou na fazenda por cerca de um mês sujeita a condições indignas de trabalho e alojamento e na total informalidade. Foi constatada ainda a servidão por dívida. Esse conjunto de irregularidades encontradas na fazenda configura trabalho em condições análogas à escravidão e vai ser objeto de autuações e multas a serem calculadas. Além disso, os locais interditados só poderão ser reabertos depois de cumpridas todas as exigências legais”.
Com alojamentos precários, sem água potável, sem acesso a equipamentos de proteção tanto para o trabalho com o gado e com a terra quanto para o manejo de agrotóxicos, o grupo chegou até a propriedade sob a promessa de remuneração digna. Após um mês vivendo em péssimas condições de higiene e saúde, eles decidiram cobrar o pagamento, mas foram surpreendidos pela afirmação de que estavam devendo pelos alimentos que consumiram e pelo transporte até a fazenda. O dono das terras, inconformado com a cobrança, expulsou o grupo, que teve de caminhar por mais de 20 quilômetros até ser encontrado por uma servidora da prefeitura de Santa Inês e ser acolhido em um assentamento.
A família, que tem origem no município de Capim Grosso, norte do estado, está, desde a expulsão da fazenda, abrigada em uma casa fornecida pela prefeitura. Ao serem expulsos da fazenda, famintos e sem ter como voltar para sua cidade de origem, eles conseguiram obter alimentos e um local para morar. Mesmo com o pagamento das rescisões, eles decidiram ficar no assentamento, já que as condições de moradia em Capim Grosso são ruins.
Cada um dos 11 resgatados, inclusive o adolescente de 14 anos, receberá pela rescisão do contrato de trabalho pouco mais de R$4.800. Além disso, eles receberão o seguro-desemprego especial por três meses. O termo de ajuste de conduta, no entanto, permite que os resgatados ingressem com ações judiciais para pedir indenizações por danos individuais e outros pedidos referentes à rescisão do contrato de trabalho. A indenização por danos morais coletivos totaliza R$84 mil e a aplicação desse recurso será definida pelo MPT posteriormente, buscando a reversão em ações de relevância social na própria região.