Política cultural e censura

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Por Joaci Góes
(Ao centenário e eminente amigo Virgildásio de Senna)
Em 2019, entidades do porte da Academia de Letras da Bahia, então sob nossa presidência, do instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Universidade Federal da Bahia, Academia Baiana de Educação, Academia de Letras Jurídicas da Bahia, Academia de Letras e Artes de Salvador, Ordem dos Advogados do Brasil, Academia de Ciência da Bahia e o Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira uniram-se em torno do propósito de sensibilizar o Governo do Estado e a Prefeitura Municipal de Salvador, para a criação do Museu da Libertação, a ser instalado no Solar Boa Vista, no Engenho Velho de Brotas, já e, agora, ainda mais, em crescente estado de ruínas, antiga propriedade da família do poeta Castro Alves, onde ele viveu alguns anos de sua curta e luminosa existência.

A ideia central era e é fazer desse tão necessário e já tardio museu o maior repositório das lutas travadas para rompermos os grilhões da escravidão. Além do quanto se puder reunir como testemunho material da chaga da escravidão em nossa história, o registro dos nomes de todos que contribuíram para nossa letárgica abolição, como o Poeta dos Escravos, Zumbi dos Palmares, Luiza Mahin, Luís Gama e escritores que fizeram de nossa matriz africana tema de suas criações literárias, nas mais distintas vertentes epistemológicas, como Luis Anselmo da Fonseca, Gilberto Freire, Luís Viana Filho, Edison Carneiro, Kátia Queiroz Mattoso, João José Reis, Ana Maria Gonçalves, Raymundo Laranjeira, Lidivaldo Britto e muitos outros.

Levou-se na devida conta que o melhor das modernas técnicas computacionais deveria ser incorporado aos elementos tradicionais tangíveis, para fazer desse notável empreendimento fator de grande impacto na estrutura dos inúmeros atrativos que engrandecem nossa terra aos olhos do mundo. Maior cidade negra, fora do Continente Africano, Salvador não tem rival como prioridade para sediar tão impactante equipamento cultural.
Na atual gestão, ainda não foi possível encontrar espaço na agenda do Secretário de Cultura para discutir essa e outras iniciativas do maior interesse para consolidação e ampliação de nosso patrimônio imaterial, como importante fator de nosso desenvolvimento econômico e social.

Foi com chocante decepção, portanto, que tomamos conhecimento da infeliz e inédita nota publicada pelo Secretário, censurando a iniciativa do IGHB de convidar o ex-chanceler, diplomata Ernesto Araújo, para conferenciar sobre o momentoso tema da República, em celebração do 15 de novembro próximo, sob o título “A República, ontem e hoje: um great reset no Brasil.” Como se não bastasse essa indecorosa barbaridade, o ética e politicamente despreparado Secretário, que pode ser processado por improbidade administrativa, por usar recursos públicos em favor da satisfação de seus apetites inferiores, acrescentou a inacreditável e indecorosa observação de que “o evento não foi submetido à avaliação da Secult”, como se a censura prévia fosse componente regular e programático da Pasta.

Registre-se, em nome da verdade factual que a indecorosa postura do Secretário Censor colide com o espírito democrático e reconhecido empenho do Governador Jerônimo Rodrigues de pacificar os exaltados ânimos políticos, a ponto de haver tomado a iniciativa pioneira de conferir medalhas a todos os ex-governadores baianos, reconhecendo o seu contributo na construção do interesse comum.
Mais uma vez comprova-se que Otávio Mangabeira tinha razão ao sentenciar: “Pense num absurdo. Na Bahia há um precedente”.