Por Zulu Araújo
Por mais belo, participativo, empolgante e criativo que seja o carnaval de Salvador, e é, não há como ignorar a marca indelével dos privilégios e discriminações que está impregnada na elite baiana e que se manifesta com toda força na folia momesca.
Esse ano, no qual se celebrava os quarenta anos do Axé Music, parte dessa elite, tendo como aliados e porta-vozes autoridades municipais, não deixou por menos.
O primeiro absurdo foi muito mais que um privilégio, mas sim uma afronta ao patrimônio imaterial que é o carnaval de Salvador, além de um desrespeito à própria festa.
A Prefeitura, não só autorizou a construção de uma “passarela” erigida em pleno circuito Barra/Ondina, como deu um drible na justiça, apesar da gritaria e protestos de entidades e organizações soteropolitanas.
Tudo isso para que uma elite sem noção, daqui e dacolá, pudesse acessar sem o incômodo de esbarrar ou sentir o cheiro do povão, a um dos camarotes do circuito.
Isso nos fez lembrar da Comissão Especial de Inquérito sobre o Racismo no Carnaval de Salvador (1999), quando vários dirigentes de blocos de trio e Camarotes foram acusados de promoverem segregação social e racial na festa, exatamente por não permitirem que pretos e pobres pudessem acessar esses espaços.
À época, blocos como o Camelão”, Nú Outro Eva, Cheiro de Amor. A Barca”, Eva, Pinel e “Beijo”, foram formalmente acusados de praticarem racismo, sob o argumento de selecionarem pessoas de boa aparência para a composição dos blocos.
Em 2025, para não perder a mania de discriminar, o Secretário de Turismo de Salvador, afirmou (sem nenhuma prova) que a desorganização e desestruturação da “corda” do Bloco Afro Olodum, havia sido responsável pelo atraso no desfile no circuito Barra/Ondina.
Foi desmentido pelos próprios dados da secretaria que dirige.
Mas não abriu a boca quando o trio de Tony Sales, atrasou o desfile de Daniela Mercury, e ainda a pressionou para adiantar sua apresentação, porque tinha um compromisso num camarote.
O Olodum, não deixou por menos, acusou o Secretário de Racismo Institucional, fato este que atravessa o carnaval de Salvador desde a sua criação.
“Salvador é a Roma Negra, a maior capital afro do Brasil e da diáspora africana. Deve se respeitar e valorizar o que é genuíno do povo preto, e não atacar ou descredibilizar instituições que representam essa identidade. O Olodum, primeiro bloco afro a desfilar no Circuito Dodô é referência mundial na cultura afro-brasileira enxerga tais declarações como um ato perfeito de racismo institucional. Por isso, exige respeito à sua história”
Por fim, há um novo fenômeno carregado de privilégios, cujas grandes vítimas são os foliões pipocas que estão no seu caminho. Turistas ricos e subcelebridades, tem contratado equipes de segurança para transitarem no carnaval.
Eles estão atuando de forma agressiva nos seus trajetos.
Além disso, esses endinheirados não sofrem revistas nas barreiras policiais, agridem quem encontram pela frente e estacionam suas vãs em locais proibidos aos cidadãos comuns, sob a conivência e complacência dos agentes da Transalvador.
Mas ainda assim o carnaval de Salvador continua sendo a maior festa popular do planeta. E viva Momo.
Toca a zabumba que a terra é nossa!
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Gestor Cultural, Arquiteto, Mestre em Cultura e Sociedade e Doutorando em Relações Internacionais/UFBA. Ex-Presidente da Fundação Cultural Palmares/MinC.