O segundo dia de Bienal do Livro Bahia foi marcado pela presença de grandes nomes da literatura, como Paula Pimenta, Thalita Rebouças, Jeferson Tenório, Conrado Hubner, Scholastique Mukasonga, Christian Dunker, Lívia Natália e mais, que movimentaram os espaços Arena Jovem, Café Literário e Janelas Encantadas no sábado (27). Confira um resumo da programação do 2º dia de bienal no Centro de Convenções Salvador:
Arena Jovem: André Dahmer, Pedro Vinício, Thalita Rebouças, Paula Pimenta
Os desenhos que contam o tempo em que vivemos foram tema do primeiro painel da Arena Jovem, com os ilustradores André Dahmer, veterano vencedor de um Prêmio Jabuti, conhecido pela tirinha ‘Malvados’, e de Pedro Vinício, sucesso no Instagram com mais de 720 mil seguidores com seus desenhos que ironizam agruras do dia a dia.
O veterano comentou sobre o trabalho de Vinício e observou que qualquer trabalho reflete o tempo do artista. “O que o Pedro faz é sobre o tempo dele. Ele tem 19 anos e impacta muita gente, fala de alienação, epidemia de telas, das revoluções que a gente tá passando. Eu tenho uma tirinha em que digo que a sociologia não acompanha a tecnologia. A sociologia tá falando sobre blogs ainda, e nós estamos em outro lugar”, analisa Dahmer.
No encontro destas gerações do humor nacional, Dahmer e Vinicio contaram sobre seus processos criativos. “Existe uma romantização do fazer artístico e quando me perguntam de onde vem a inspiração para criar, responso que vem dos boletos que tenho para pagar. O meu bloqueio criativo está muito ligado à pressão externa. Quando a cabeça tá boa, flui muito melhor a criação”, disse Dahmer.
O segundo painel da Arena Jovem reuniu Thalita Rebouças e Paula Pimenta, duas das maiores autoras de literatura juvenil, sob mediação de Lorena Ribeiro, num papo que foi desde bastidores de adaptações fílmicas dos seus livros até spoilers dos próximos lançamentos.
Paula Pimenta declarou que espera que o ‘Minha Vida Fora de Série 6’ seja o último da saga, mas não garante isso porque novas ideias sempre podem surgir no caminho e dar caldo para uma continuidade. Numa entrevista recente, Thalita comentou que prefere escrever um livro do que fazer roteiros audiovisuais e foi perguntada por quais motivos tem essa preferência.
“Primeiro de tudo, o livro é só a gente com a gente mesmo. É um céu aberto para voar. O roteiro tem um número determinado de páginas, datação. O livro sempre vai ter muito mais detalhe do que um filme, por conta do tempo. Demorei a gostar de roteiro porque todo mundo se mete. Brinco que, entre um filme e outro, eu descanso fazendo um livro”, disse ela, que promete escrever uma obra dedicada ao público adulto.
No meio do painel, um momento emocionante: uma ex-colega de faculdade de Paula Pimenta estava na plateia com sua filha de 13 anos. Eduarda Guimarães, 50, estudou com a escritora na PUC Minas, em 1995, e só soube que Paula havia se tornado uma autora famosa através da filha, Valentina.
“Primeiro, eu assisti ‘Fazendo meu filme’ e eu fiquei com muita vontade de ler o livro dela porque o filme é maravilhoso. Então, eu procurei na biblioteca da escola e comecei a ler. Aí minha irmã me disse que ia ter Bienal e que Paula ia estar. Comentei com minha mãe e minha mãe não sabia que Paula era uma escritora famosa. Ela ficou chocada”, relata a garota, que convocou a mãe para assistir ao filme.
Café Literário: Lívia Natália, Jeferson Tenório, Conrado Hubner, Christian Dunker, Natalia Timerman, Bruno Paes Manso e Denise Carrascosa
O primeiro painel do Café Literário reuniu Jeferson Tenório, Lívia Natália e Conrado Hubner, numa conversa sobre censura e liberdade de expressão. Tenório, que teve o livro ‘O avesso da pele’ recolhido em três estados neste ano, narrou a sequência episódica do caso, que terminou com a justiça decidindo pela devolução dos livros às escolas.
“Foi feito um vídeo por uma diretora de escola, que viralizou. Ela pescou frases e palavrões e disse que o livro era erótico. Não é um livro erótico, é a história de um filho que perde um pai numa abordagem policial, fala sobre racismo estrutural. Quando vi a diretora falando dos palavrões, eu estava terminando meu próximo livro, e eu pensei até em colocar mais palavrões, já que fez tanto sucesso”, ironizou ele, acompanhado de risos da plateia.
A violência policial é assunto frequente também nas obras de Lívia Natália e a autora recordou quando seu poema Quadrilha foi censurado em outdoors em Ilhéus, em 2016, por trazer à tona o caso conhecido como Chacina do Cabula. “Policiais militares entraram no meu Facebook e começaram a reescrever o poema. Eu printei tudo porque me chamou a atenção. Eu acho que isso rende um estudo. É uma tentativa de apagar, de censurar, ‘eu já tirei seu outdoor, e vou reescrever seu poema”, avalia.
Conhecido por apontar o dedo para os privilégios da magistratura brasileira, Conrado Hubner fala de membros dos supremos tribunais de forma menos reverencial e escreve colunas em que defende que o que chama de ‘magistocracia’ produz encarceramento em massa e leniência com violência policial. Apesar de cutucar esse grupo há tantos anos, foi só a partir de 2015 que ele passou a ser alvo de ações judiciais, ao criticar Augusto Aras, ex-procurador geral da República.
“Profissionais que usam da palavra, como artistas, professores, jornalistas, cientistas, eles são alvos de qualquer projeto autoritário. É preciso silenciá-los. Mas não é silenciar todo mundo, basta selecionar bem quem você ameaça. O simples ato de me processar tenta me silenciar. Mas me silenciar é pouco, eles querem silenciar a minha comunidade”, observou.
Parte desses temas voltaram a aparecer no segundo painel, ‘O desafio das ruas’, que discutiu segurança pública, punitivismo e outras vertentes com contribuições de Denise Carrascosa, professora de Literatura da Ufba que atua em penitenciárias de Salvador, e do jornalista Bruno Paes Manso, sob mediação do também jornalista André Uzêda.
Denise mencionou que o medo é um dos sentimentos principais no país e que diversas fobias são acionadas no inconsciente coletivo foram, na verdade, construídas através do discurso. “O medo que sentimos de andar pela cidade não é natural. Esse medo é historicamente construído na constituição do Brasil. Durante o século 19, tivemos a construção do discurso do medo contra africanas e africanos libertos e casos clássicos são a capoeira e o candomblé, que foram criminalizados”, recorda.
Bruno Paes Manso, por sua vez, trouxe um pouco mais sobre o histórico desse medo das pessoas em ocupar a cidade. As cidades passaram por booms populacionais com o movimento de êxodo rural e esses adensamentos produziram desigualdades. Ao mesmo passo, as drogas tornaram-se uma commodity proibida vinculada à cultura urbana.
“Isso foi gerando um aumento do aprisionamento, as prisões foram ficando lotadas e um novo mundo foi sendo construído atrás das grades. Sabe-se que, hoje, quanto mais você prende, mais fortes ficam os chefes de facções e maior é a massa de trabalho desse mercado de drogas. É como um investimento do estado para piorar as pessoas”, disse.
O terceiro painel trouxe a médica psiquiatra Natália Timerman e o professor e psicanalista Christian Dunker falando sobre a complexidade dos lutos e afetos. Natália contou que decidiu escrever o livro após a perda do pai, mas carrega com ela os receios da exposição, já que, apesar de fictícia, a obra tem muitos elementos autobiográficos.
“Eu entendi como a escrita do luto organiza uma experiência disforme, perturbadora. Escrever, para mim, serviu para eu simplesmente fazer alguma coisa. Quando alguém morre, a gente se vê numa impotência, e escrever é fazer alguma coisa”, analisa.
Para Dunker, a psicanálise não avançou no estudo do luto contemporâneo. O professor observa que a dimensão religiosa já não é mais a mesma e que a ‘escrita de si’ ganhou destaque nos processos de perdas.
Atração internacional, a escritora ruandesa Scholastique Mukasonga, radicada na França, trouxe memórias de como sobreviveu ao genocídio de 1994 em seu país natal, no qual mais de 800 mil pessoas foram mortas a facão.
“A mensagem que eu trago a Salvador é uma mensagem de esperança. Na minha escrita, eu preciso contar sobre o sofrimento que eu vivi em Ruanda e o quão doloroso foi deixar o meu país, porque isso foi também uma libertação. Eu consegui sobreviver, então as pessoas têm que saber que há soluções possíveis e que não podemos perder a esperança. Eu uso a literatura para falar dessa possibilidade de um futuro melhor, na medida em que eu transformo a minha história de dor em uma história de esperança”, disse.