Por Eliecim Fidelis
No final da década de sessenta do século dezessete, diante da tragédia da escravidão africana, a sensibilidade de um poeta jovem exclamava através dos poemas Vozes d’África e O Navio Negreiro: “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura… se é verdade tanto horror perante os céus…”. E, cobrando respostas, continua o poeta: “Deus! Ó Deus! Onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes…?”.
Quem sabe, o fato de não suportar conviver em um mundo movido pela crueldade e pela ganância, teria levado prematuramente o vate baiano, de corpo e alma sensíveis, a perecer tão cedo, apenas três anos após o desabafo amargurado expresso em seus versos!
Passados mais de cento e cinquenta anos, podemos testemunhar a plena atualidade do apelo castro-alvense diante de guerras e horrores que atormentam a humanidade, de norte a sul, de oeste a leste; bem como da mesma omissão da autoridade celeste e da mesma impotência das instituições terrestres criadas com a finalidade de zelar pela boa convivência e pela paz mundial.
No que se refere à propensão beligerante humana, mostra-se ainda atualíssima a resposta dada pelo pai da psicanálise ao pai da teoria da relatividade. Mobilizado pelos efeitos da Primeira e a expectativa da Segunda Guerra Mundial, e pelo fracasso da Liga das Nações em estabelecer a paz entre os Estados, Einstein e Freud trocaram correspondências, em 1932, acerca dessa questão. O cientista pedia uma explicação para as causas que mobilizam o homem para a guerra, a sede de poder, o ódio e a destruição. Em sua carta de volta, Freud reporta à gênese do Direito, argumentando que a lei que rege os conflitos de interesse entre os homens continua, ainda hoje, guardando as mesmas marcas da violência original inerente ao homem primitivo. As cartas trocadas entre Einstein e Freud trazem muito mais, e constituem uma rica fonte de reflexão sobre o tema, ficando a sugestão ao leitor que ainda não teve a oportunidade de conhecê-las, pois gostaria de finalizar este texto com outra questão de flagrante contradição. De um lado, a emocionante corrente humana positiva, a união, o altruísmo e a atitude humanitária presenciada durante a tragédia do povo gaúcho. De outro, as atitudes insensatas e oportunistas de pessoas que procuram se aproveitar de momentos tão duros e tristes. Tudo isso nos leva a interrogar acerca do comportamento humano, que causa perplexidade e desafia qualquer princípio sensato e lógico. Aquele mesmo ser humano cujas ações oscilam entre a máxima beatitude e a máxima crueldade demoníaca. Aquele mesmo ser que, até em momentos de caos, não consegue renunciar às marcas primordiais de seu estado primitivo.
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Psicanalista e escritor, membro do Espaço Moebius. fidelis.eli@gmail.com