SOBRE A MÚSICA DE CARNAVAL DE SALVADOR

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Por Roberval Santos

São três os pilares do que se convencionou chamar de “música baiana”, o que na realidade é a música de carnaval da Bahia, ou simplesmente, Axé Music! Quando determinam que é “música baiana”, é como se não houvesse outro tipo de música sendo produzida na capital da Bahia. Mas, tranquilo, é assunto pra outra oportunidade.

O Afoxé Filhos de Gandhi, a Fobica de Dodô e Osmar e o Ilê Aiyê: são esses os três pilares da música de carnaval produzida na cidade. O restante é consequência!

Tem o Afoxé Filhos do Congo, que teve origem em 1920 como Congo d’África, ressurgido na década de 1940 e depois só reativado em 1979. Portanto, não teve a consistência histórica dos Filhos de Gandhy, que fundado em 1949 como o bloco, foi transformado em afoxé em 1951, por ter adotado o Ijexá como música e o Candomblé como orientação religiosa. “O tapete branco da paz” virou referência como entidade do carnaval, como música e como símbolo da paz entre os povos.

Em 1950 sai às ruas a Fobica, que viria a ser o Trio Elétrico, uma invenção que transformaria o carnaval de rua para todo o sempre. A “elite” desfilava em blocos carnavalescos na Rua Chile, local mais majestoso e sofisticado da cidade, e a “ralé”, os menos favorecidos, pobres mestiços e pretos em sua maioria, se divertiam nas ruas da Baixa dos Sapateiros e no Largo de São Miguel. Naquele momento se deu a primeira e única “revolução socialista” brasileira, em pleno carnaval: a Fobica de Dodô e Osmar juntou todo mundo num só espaço, onde não cabia distinção de cor, de raça, de gênero, social e econômica. Os salões e clubes continuaram, tentaram resistir, porém sucumbiram. A maioria da população estava misturada e migrava em multidões atrás do trio elétrico pelas ruas da “São Salvador”!

Em 1974 surge o mais belo dos belos, o Ilê Aiyê! Fruto, mais uma vez, da resistência ao racismo institucionalizado dos blocos de trio, elitistas e brancos, que surgiram para segregacionar o povo no carnaval. O primeiro bloco afro brasileiro, só com pretos, invadiu a avenida para nunca mais sair. Com o batuque dos tambores, o samba afro como base e uma rainha da beleza negra, construíram um caminho de auto afirmação, de pertencimento e de valorização da história do povo preto, descendentes de escravizados, que mudou o comportamento de pretos e mestiços para sempre na Bahia. Igualmente ao Filhos de Gandhy, a base espiritual é o Candomblé.

Tudo o que veio depois, no carnaval da nossa “Roma Negra”, é consequência destas três matrizes!
Tenho que citar os “blocos de índio” e as “escolas de samba”, que apesar de representarem um território de diversidade e do samba, não tiveram, para mim, a importância histórica e de resistência dos três elementos citados. Suas baterias eram cópias das “escolas de samba” do Rio de Janeiro, e os “blocos de índios” foram inspirados na cultura estadunidense dos filmes de faroeste de Hollywood.

O Ijexá e a batida dos tambores subiram para o trio no final da década de 1970 e meados da década de 1980, que originário do frevo pernambucano, trieletrizou o Brasil…
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Músico, instrumentista e pesquisador