Por Joaci Góes
Para o amigo Gilvan da Silva Júnior!
Em matéria de incúria dos deveres do Estado perante seu dever de preservar os tesouros artísticos e históricos da Nação, o recente desabamento do teto da Igreja de São Francisco, no coração da Cidade Histórica do Pelourinho, só é superado pelo incêndio que destruiu o notável acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro, o maior museu de história natural do Brasil, em 04 de setembro de 2018, incinerando mais de vinte milhões de itens, como fósseis, múmias, peças indígenas, móveis, quadros e livros raros.
Desgraçadamente, o acidente na Igreja de Ouro de São Francisco, em Salvador, no último dia 05, expoente mundial do barroco setecentista, matou a bela jovem paulista, de 26 anos, Giulia Panchoni Righetto, natural de Ribeirão Preto, em viagem de turismo à primeira capital do Brasil. O episódio continua traumatizando baianos, brasileiros e o mundo, em geral, pelo seu insólito ineditismo, agravado pela percepção crescente de que a tragédia decorreu de omissão culposa das autoridades a quem compete velar pela preservação e segurança de tão nobre espaço, mediante a manutenção de sua integridade, matéria de domínio comezinho de quantas cidades e países há detentores desse tipo de preciosidade espiritual, artística e histórica. Para os familiares e amigos da infeliz Giulia, porém, nenhuma compensação de natureza material será suficiente para mitigar a indizível dor de sua precoce, lamentável e desnecessária perda.
A Igreja e o Convento de São Francisco, anexo, foram construídos no Século XVIII, seguindo projeto do Padre Vicente das Chagas, elaborado em 1686, e são considerados, por muitos, como o mais belo exemplar, no mundo, do rico barroco português. Sua edificação, iniciada em 1708, foi concluída em 1723. A decoração interior, porém, consumiria decênios de paciente labor artístico, criterioso e intenso.
Como esta tragédia aconteceu na Bahia, quarta maior população do País, é imperioso pôr em xeque a identificação do conjunto de razões que têm contribuído para o acentuado declínio da qualidade de vida em nosso estado, nos elementos fundamentais para a medição do IDH, Índice de Desenvolvimento Humano dos povos. Com efeito, não obstante o conjunto de suas potencialidades, a Bahia não para de perder posição na classificação da qualidade de vida das unidades federadas, já tendo caído para a sétima posição em matéria de desenvolvimento econômico, abaixo, respectivamente, de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. No PIB per capita, a Bahia ocupa a 19ª posição, entre as 27 unidades federadas, pouco acima, apenas, do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Ceará, Piauí, Paraíba e Maranhão. No plano da violência, a Bahia ocupa o quarto lugar no número de assassinatos, sendo que 6 das 10 cidades mais violentas do Brasil estão na Bahia: Camaçari, Jequié, Simões Filho, Feira de Santana, Juazeiro e Eunápolis. No IDEB, índice que mede o aproveitamento acadêmico dos alunos da rede pública, a Bahia continua ocupando um dos últimos lugares, o mesmo acontecendo com o número de desempregados, analfabetos, tuberculosos, chagásicos e morféticos, bem como no número de sub-habitações (favelas), figurando em último lugar em matéria de saneamento básico, cuja ausência reduz, drasticamente, a qualidade da saúde e a longevidade das pessoas.
Retornando ao tema central do artigo: para prevenir contra os riscos correntes de grandes perdas para a Bahia, é imperioso que o Governador Jerónimo Rodrigues volva o olhar para a Secretaria de Cultura do Estado, confiando-a a quem estiver inteirado do riquíssimo conteúdo artístico e cultural de nosso Estado. Basta ver a criminosa e boçal suspensão do custeio legalmente obrigatório das atividades do IGHB, por haver a instituição convidado, como conferencista, um intelectual que serviu como Ministro ao Governo Jair Bolsonaro. Com gente dessa estirpe, ignorante das ricas tradições baianas, na equipe de Governo, nosso Estado continuará à frente da vanguarda do atraso.
Enquanto isso, a morte da desditosa Giulia continuará ecoando como um eloquente libelo denunciando o desapreço do Governo da Bahia pelos bens da cultura.