Uma reflexão sobre democracia e suas grades

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Por Victor Pinto

O debate sobre a fragilidade das democracias modernas tem ganhado cada vez mais espaço, especialmente diante do crescimento de lideranças populistas e do enfraquecimento das instituições tradicionais. A obra “Como as Democracias Morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, tornou-se uma referência central nesse debate, sustentando que os partidos políticos são os principais guardiões da democracia. O tema parece ser cada dia mais atual. No entanto, quando analisamos essa tese sob a perspectiva brasileira, alvo de observação no curso de Direito e Democracia da Escola do Judiciário do TRE-BA, percebi um descompasso entre a teoria e a nossa realidade.

O sistema partidário dos Estados Unidos, no qual Levitsky e Ziblatt baseiam sua argumentação, possui um modelo bipartidário consolidado, que confere estabilidade política e uma barreira institucional contra lideranças extremistas. Já no Brasil, essa estrutura é profundamente diferente. Nosso sistema é caracterizado por uma fragmentação extrema, por alianças voláteis e por partidos que muitas vezes são apenas plataformas eleitorais sem compromisso programático real. Como resultado, os partidos brasileiros falham em exercer o papel de filtros democráticos, permitindo que lideranças de perfil autoritário acessem facilmente o poder.

Essa realidade fez com que outras instituições assumissem o papel de guardiãs da democracia no Brasil. Duas delas se destacam: o Supremo Tribunal Federal (STF) e a imprensa. O STF tem desempenhado um papel fundamental na preservação do regime democrático, muitas vezes intervindo para conter avanços autoritários ou para garantir que a Constituição seja respeitada. Essa atuação, porém, também gera críticas. O ativismo judicial do STF levanta questionamentos sobre até que ponto o Judiciário deve interferir no jogo político e se isso não representa um desequilíbrio entre os Três Poderes.

Já a imprensa, historicamente, tem sido um elemento essencial na fiscalização do poder e na exposição de práticas antidemocráticas. Investigações jornalísticas foram determinantes para revelar esquemas de corrupção e para informar a população sobre ameaças à ordem democrática. Contudo, o papel da mídia também é alvo de críticas, especialmente quando sua atuação é percebida como tendenciosa ou como um fator de desestabilização política.

O enfraquecimento dos partidos políticos tem impactos profundos. Em democracias saudáveis, essas organizações são responsáveis por estruturar o debate público, filtrar lideranças e garantir a continuidade das instituições democráticas. No Brasil, a falta de coerência ideológica, o fisiologismo e a instabilidade dos partidos tornaram inviável essa função. Como resultado, as disputas políticas frequentemente se deslocam para o Judiciário, o que alimenta um ciclo de judicialização da política e de fragilidade institucional.

Se, por um lado, STF e imprensa têm sido elementos fundamentais na contenção de ameaças democráticas, por outro, sua atuação constante na mediação dos conflitos políticos não pode ser vista como uma solução perene. A democracia brasileira precisa de um sistema partidário fortalecido, capaz de exercer seu papel de mediação e controle. Para isso, é necessária uma reforma política que reduza a fragmentação excessiva e que incentive maior fidelidade programática e ideológica.

A democracia não morre apenas com golpes ou rupturas abruptas; ela também se deteriora quando as instituições perdem sua capacidade de cumprir suas funções. No Brasil, a crise dos partidos políticos tem gerado um desequilíbrio que desloca a responsabilidade de proteção da democracia para outras esferas. É urgente que o país inicie um debate profundo sobre o fortalecimento das instituições partidárias e a reconstrução de um sistema político mais estável e responsável.

A democracia brasileira resiste, mas até quando poderá sobreviver sem partidos que realmente a defendam? Essa é a questão que precisa ser respondida para que possamos garantir um futuro político mais sólido e menos dependente de soluções improvisadas.