Walter Sampaio, advogado e poeta da Geração dos Novos

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Por Gilfrancisco
Desde 1939 Walter M. Sampaio revelou sua inarredável vocação de escritor. Disso faz prova seu primeiro trabalho de ficção, inserido no número 1 do jornal Mensagem, de Aracaju/Sergipe – sua terra natal. Já nessa primeira ficção imprimiu o autor a chamada chancela da autenticidade e legitimidade da sua condição de escritor. Contava, então, apenas 16 anos de idade – o que não é comum. Ao contrário, já constituía uma revelação. A partir daí, continuou o escritor se realizando, com brilhantismo e mérito inequívocos.

                                            Armindo Pereira

                                                 (1922-2001)

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Nascido em Aracaju, a 14 de janeiro de 1923, Walter Mendonça Sampaio, filho de Oswaldo e Irinéa, tio e sobrinha, tiveram cinco filhos: Nilza, Neuza, Walter, Aluysio e Maria. Walter teve atuação destacada na literatura sergipana no final dos anos 30 e durante toda à década de 40. Em 1939, juntamente com Armindo Pereira, dirigiu Mensagem, jornal literário que se propunha a ser “um novo propagador do modernismo”. Apesar de editado em pleno Estado Novo, vinha o jornal com forte carga democrática e trazia vários artigos contra o fascismo. Com seu espírito inconformista, Walter, juntamente com José Nunes Mendonça, José Maria Menezes Campos e Armindo Pereira, lançaram Símbolo, outro jornal literário, com características semelhantes ao anterior.

Tanto Mensagem quanto Símbolo desempenharam papel de relevância na propagação do modernismo em Sergipe. Entre os colaboradores estavam: Alberto Barreto Melo, José Sampaio, João Batista de Lima e Silva, Lindolfo Campos Sobrinho, Dernival Lima, Floriano Mendes Garangáu, Luiz Barreto, Lealdo Campos, José Bittencourt, Carlos Garcia e Manuel Dantas.

Com o mesmo sentido de renovação modernista da literatura em Sergipe, Walter Sampaio foi um dos fundadores, em 1942, de Mensagem dos Novos de Sergipe, associação de caráter cultural que congregou um grupo atuante: Paulo de Carvalho Neto, José Amado Nascimento, Aluysio Sampaio, José Maria Fontes, Sindulfo Barreto Filho, José Sampaio, Luciano Lacerda, Lindolfo Campos Sobrinho, Álvaro Santos. Nesta época, Walter mantinha, no Sergipe-Jornal, crítica literária numa coluna de rodapé, bem como um programa literário em uma das emissoras radiofônicas do Estado.

Bacharelado em 1946, pela Faculdade de Direito da Bahia, onde teve destacada atuação literária, foi um dos colaboradores da revista Seiva, órgão do Partido Comunista. Walter Sampaio foi quem saudou o poeta chileno Pablo Neruda em sua visita àquela Faculdade, oportunidade em que leu o poema de sua autoria, Pablo Neruda e nossa América:

Não mais nos lábios o sabor amargo

de ouriços congelados, de flores mortas

do mar sombrio e do rio invisível correndo nas trevas.

Na luz da manhã acordamos estrelas mortas

que os rios carregam

e sentimos os ventos apagarem as últimas luzes

na solidão do beco

a noite crescer até os braços da madrugada

e a esperança enxugar a última lágrima.

E dos lábios sangrados

violetas queimadas de sangue

ergue-se estuante clamor de vozes e cantos.

As crianças têm os braços suspensos

para a linha do horizonte

e colhem com as mãos pequeninas

no rio claro da manhã

o grande sonho que todos sonhamos.  (…)

Ao regressar à sua cidade natal após conclusão do curso de direito, o Jornal do Povo, de 17 de dezembro de 1946, registra sua chegada:

Regressou, quinta feira p. passada a esta capital, procedente de Salvador, onde acaba de concluir o curso de advocacia, o bel. Walter Sampaio.

O jovem bacharel é pessoa que se tem destacado em nossa terra na luta antifascista, fazendo de sua cultura e de sua brilhante inteligência arma de defesa dos interesses democráticos e populares. Militante do Partido Comunista, Secretário de Educação e Propaganda do Comitê Municipal de Aracaju, o dr. Walter Sampaio tem merecido a confiança de seus companheiros e do povo, que nele veem a figura do intelectual que oferece os seus dotes de espírito às lutas do proletariado e do povo. O dr. Walter Sampaio tem recebido as congratulações dos seus inúmeros amigos e de quantos reconhecem os seus méritos.

Em Aracaju, fundou e dirigiu a revista Época (mensário a serviço da cultura e da democracia -1948/1949), tendo como secretários Nelson de Araújo e Austrogésilo Porto. De circulação nacional, foram publicados três números da revista. Além dos escritores residentes em Sergipe, colaboraram na nova revista: Joel Silveira, Jorge Amado, Alves Ribeiro, Alina Paim, Jorge Medauar, Santos Morais, Dalcídio Jurandi, dentre outros. Foi nessa revista em que o pintor Jenner Augusto, estimulado por Walter Sampaio e sob sua influência crítica, iniciou propriamente o modernismo nas artes plásticas em Sergipe.

Cinquentenário de Prestes

Ocorrido em janeiro de 1948, o centenário foi um acontecimento de incalculável significação para o povo brasileiro. As festas em sua homenagem realizadas, apesar da violência e o terror desencadeados pela polícia, a crescente confiança das grandes massas no grande líder demonstram que o seu prestígio aumentava sem cessar. Essa confiança é também uma prova de que o nosso povo progride politicamente e que as nossas forças democráticas continuam a crescer na resistência à ditadura e ao imperialismo americano. Ligado ao Comitê Estadual do Partido Comunista do Brasil, Walter Sampaio publica em dezembro de 1947, no Jornal do Povo, de Aracaju, o artigo Cinquentenário de Prestes data nacional. Vejamos um trecho:

O cinquentenário de Prestes assume nos dias atuais, verdadeira significação nacional. Porque, realmente, a personalidade e a vida de Luiz Carlos Prestes estão ao lado das lutas de outros grandes líderes mundiais, relacionados com as lutas democráticas e populares que marcam o processo vivo para a libertação dos povos oprimidos. Mas Luiz Carlos Prestes é, particularmente para a sua Pátria, a síntese do movimento histórico da sociedade brasileira, na fase decisiva em que nos encontramos. Porque todos os sofrimentos e aspirações, todas as necessidades e reivindicações das grandes massas populares e laboriosas, como afinal os problemas fundamentais do Brasil, encontram a sua expressão mais alta nas lutas memoráveis e na obra política do Cavaleira da Esperança, notadamente desde os sucessos maravilhosos da Coluna Prestes Invicta, que escreveu a verdadeira história e a verdadeira geografia humana, social e política do Brasil, até os seus formidáveis estudos objetivos atuais de todas as questões máximas do país e do nosso povo, através de observações diretas, em comícios que tem sido as maiores provas de educação política, em nossa terra, sabatinas e outros vigorosos movimentos populares, além de sua atuação na Assembleia Constituinte e no Senado da República.

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Radicado em São Paulo, desde o início dos anos 50, Walter Sampaio publica vários artigos opondo-se ao formalismo. Da geração de escritores sergipanos a que pertenceu Walter, muitos, absorvidos por outras atividades profissionais, abandonaram a literatura. Durante muitos anos, Walter Mendonça Sampaio, empenhado na sua profissão de advogado trabalhista de vários sindicatos operários, se viu forçado, temporariamente, a silenciar na literatura.

A Rosa e o Enigma.

Com atraso de 30 anos, chegou-me às mãos, esta semana (2006), enviado pelo poeta irmão Aluysio Mendonça Sampaio, sergipano radicado na Paulicéia desde os anos 50, o livro A Rosa e o Enigma, de Walter Mendonça Sampaio, poemas escritos entre 1942 e 1952, época de grandes conflitos mundiais.  27 poemas formam a coletânea, publicados pela Editora H, em 1976, com ilustrações do autor e apresentação do sergipano Paulo Dantas (1922-2007). O livrinho apresenta versos de dor, sangue e esperança, mas que não perderam atualidade.  A leitura de A Rosa e o Enigma abrirá as portas de uma viagem cheia de encantos. No poema “A vida nasceu do Êxtase”, a perplexidade gerada pelo conflito em que se debate o homem da sua geração é tão grande que produz o desencanto profundo em que o ser se fratura:

          Abro a janela e os ventos estão parados.

          Lá fora a paisagem cinzenta e muda.

          – Ninguém responde ao grito?

          As árvores parecem monstros de pedra.

            É preciso perseguir as relações entre expressão lírica e histórica, observando seus modos de expressão nos vários momentos. Seu lirismo-social é uma maneira especial de recorte do mundo e de arranjo da linguagem, porque a poesia lírica vai concretizar-se, de fato, no modo como a linguagem do poema organiza os elementos sonoros, rítmicos e imagéticos:  

            O coração vazio de angústia

            e podermos cantar novamente

            no silêncio da noite.

            E ver o homem do porto

            chorar de alegria nos braços da liberdade.

            Alguns poemas do livro são cortantes, agudos, irretocáveis, reflexivos, de feição intimista. Cada poema tem uma unidade, fruto de características que lhe são próprias, cabendo ao leitor ler, reler, analisar e interpretar. Walter Sampaio é um poeta, um pensador a serviço de uma ideologia. Concordemos ou não com ela, devemos reconhecer ao intelectual o direito de promovê-la e defendê-la. Por isso, tem sido apontado pela crítica como um dos mais inquietantes poetas de sua geração, ao lado de Enoch Santiago Filho, José Sampaio, Santo Sousa e Aluysio Sampaio. Walter pertence à geração dos poetas sergipanos do ciclo lírico-social. O ritmo de recepção de sua poesia lírica é também um ritmo associativo, baseado nas relações de contiguidade da linguagem. Porque o fenômeno lírico também responde a certo “horizonte possível”, determinado pelo seu tempo e contexto.

Este artigo ora publicado pela revista dos Advogados, pretende ser também lembrança, resgate de uma geração importante para a formação da literatura moderna sergipana, além de uma homenagem, em vida, a esse homem e a sua obra, inquietante para uns e iluminadora para outros. Pois, para maioria da crítica especializada, o poeta e animador cultural Walter Sampaio é o grande renovador da cultura sergipana na década de 40, em termos de transformação do pensamento social de uma geração de jovens conflitantes, perdidos, mostrando-lhes os horizontes de um contexto político mais atualizado. Obra e homem, ambos vivem pela liberdade.

Professor do Departamento de Jornalismo Editoração da Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo – USP, fala sobre teoria e Prática do jornalismo no Rádio, Tevê e Cinema, onde aborda em sua obra: histórico do jornalismo, audiovisual no Brasil, Rádio Jornalismo, telejornalismo, Cine jornalismo, livro, publicado em 1971, apresentado por Juarez Bahia. Walter Sampaio colaborou em vários jornais e revistas do país: Fundamentos (SP), Resenha Literária (PE), Leitura (RJ), Trópico (SP), Seiva (BA), Mensagem (SE), Símbolo (SE), Época (SE), Correio de Aracaju, Sergipe-Jornal, Jornal do Povo, Folha Popular (SE) e Diário de Sergipe. Faleceu em São Paulo três meses depois do irmão Aluysio Sampaio, no dia 19 de julho de 2008.
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GILFRANCISCO (Doutor Honoris Causa – UFS) é jornalista, pesquisador e escritor. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do CPCIR/CNPQ/UFS. gilfrancisco.santos@gmail.com