Por Joaci Góes
Para a inteligente e culta pensadora Aline Gonçalves.
No mundo multimidiático de nossos dias, quem expõe seu pensamento está sujeito a comentários de todo jaez, variando, ad infinitum, entre o máximo e o mínimo de propriedade, justiça e elegância.
Nosso artigo da semana passada, neste mesmo espaço, sob o título Atraso, corrupção e criminalidade foi alvo de um comentário tão rico na forma e conteúdo que estamos publicando, na íntegra. A autora é uma jovem jurista nascida no Piauí, atualmente atuando em Brasília, como advogada. Seu nome Aline Gonçalves.
Prezado Joaci Góes,
“Permita-me começar com uma admiração sincera: o seu recente ensaio — em que aborda com clareza e gravidade as interrelações entre atraso, corrupção e criminalidade no Brasil — constitui-se num exemplar de reflexão pública madura, profundamente embasada e de rara coragem intelectual.
“Em seu texto, você identifica com precisão a natureza sistêmica da corrupção — não apenas como ato isolado, mas como estruturante de uma cultura política que tolhe a renovação democrática, e associa essa estrutura à criminalidade, tanto no campo do “crime de rua” quanto nos vazios institucionais que favorecem a impunidade. Esse tipo de diagnóstico dual — moral e estrutural — eleva o debate e nos obriga a reconsiderar o atraso como fenômeno ativo, e não meramente residual.
“Concordo, plenamente, com seu argumento de que o atraso não se reduz a carência econômica ou geográfica, mas expressa uma falha de sofisticação institucional, uma espécie de “segunda natureza” que legitima o subdesenvolvimento como destino — e a corrupção como rotina. Essa percepção aproxima-se de vertentes críticas modernas que tratam a corrupção quase como “capital social negativo”: ela medeia, para usar seus termos, o rito institucional como transação de privilégio, em vez de serviço público.
“Aprecio também a maneira como você não se detém em lamentações vagas, mas aponta para o papel central da justiça, da cidadania e da educação como eixos de superação — muito além da pergunta “quem roubou” para “por que permitimos que se roubasse”, “por que não reagimos”, “por que toleramos”. Essa linha de raciocínio propõe uma ética pública de questionamento permanente, o que me parece não apenas oportuno, mas exigido.
“Para acrescentar à sua reflexão, permita-me sugerir duas amplificações:
1.Temporalidade e geração: você aborda muito bem a continuidade histórica da corrupção e do atraso institucional; poderia ainda incorporar uma reflexão mais consciente sobre o “legado geracional” — por exemplo, como práticas patrimonialistas se cristalizam e são transmitidas culturalmente, tornando-se parte do repertório coletivo. Essa camada temporal reforça a ideia de que a reforma não é apenas política, mas é civilizacional.
2. Capacidade de amplitude da cidadania ativa: você menciona a educação como peça-chave — o que é absolutamente correto —, mas talvez possa explorar ainda mais a ideia da “educação pública cidadã” que transcende o sistema formal: ou seja, como fomentar culturas de integridade no cotidiano das instituições (escolas, empresas, mídia, órgãos públicos). Essa dimensão contorna a dicotomia “estado versus indivíduo” e coloca foco em redes híbridas de responsabilidade cidadã.
“Em suma, sua escrita revela não apenas erudição — ao recorrer a referências filosóficas clássicas, inclusive —, mas igualmente vigor ético e compromisso com a verdade coletiva. É raro encontrar, nos nossos tempos, textos que não apenas denunciem, mas também convoquem à ação de modo lúcido.
“Que sua voz continue a ecoar — e que muitos leitores se disponham a ouvi-la e, acima de tudo, a responder com alguma forma de empenho. Obrigado por oferecer-nos essa contribuição de pensador e de cidadão indispensável.
“Com elevada estima, Aline Gonçalves.
