Como nasce um DJ esquisitão?

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Por Marcelo Pockye

A um menino inocente de 12/13 anos é apresentado o melhor do rock progressivo. Pink Floyd, Genesis, Emerson, Lake & Palmer, Jethro Tull e, óbvio, tantos outros dão um nó na cabeça desse mancebo com as suas alquimias de arranjos, melodias, vozes e técnica de pilotar instrumentos. Deitar no chão, ao lado da caixa de som, com as luzes apagadas passa a ser uma regra. Aviso que ao longo desse texto, ocorrerão vários pecados referentes a omissão/esquecimento de nomes.

Um pouquinho depois, o ‘peso melódico’ do Led Zeppelin (a melhor nave espacial que pousou na Terra) e do Deep Purple tomam de assalto o coração do rapaz que só queria jogar bola.

Concomitantemente a isso – em especial – os rapazes de Minas, os gênios baianos, Chico (João Bosco, Luís Melodia e Djavan um pouco depois) começam a abrir suas geniais caixas de ferramentas musicais, apesar de toda a burra repressão cultural (perdoem o pleonasmo) da época e formam um caldo doido na sua boba cabeça.

O Samba (olha a letra maiúscula) produzido por Roberto Ribeiro, João Nogueira – então apresentado pelo seu avô materno – e Martinho da Vila cola na sua mente, dando início a uma quase exigência de qualidade que perdura até os dias atuais. Zeca Pagodinho, Almir Guineto e Jorge Aragão soaram muito bem tempos depois. Sim, a pessoa que seria apenas roqueira pegou com gosto em baquetas (lá ele!) e brincou com caixa, tarol e tamborim em pequenas rodas de samba.

Já na faculdade, num encontro de um grupo de estudantes que ensaiava algo (o personagem desse texto não participava dessa banda que tentava nascer, apenas assistia), o blues dá um tacle, uma voadora nos peitos do paquerador pretensioso.

‘Que porra é essa que esse cara tá tocando???!!!’. Era blues.

Furunfou tudo!
B B King, Eric Clapton, Robert Cray, Stevie Ray Vaughan (o predileto, apesar da sua muito breve passagem por aqui) passam a ser bebidos sem moderação. Assistir a shows dos Blues Etílicos em qualquer lugar (não eram tantos assim), se apaixonar pelos blues do Cazuza e do Barão Vermelho passam a ser atos naturais.
‘Ah, então o bom rock bebeu dessa fonte, né?’.

Bagunçando a cronologia do texto, é de bom alvitre (usando uma bela babaquice advocatícia) situar que o menino Marcelo morava em Botafogo, no Rio, nos anos 70/80 e início dos 90 (até 93).
Portanto, viveu MUITO intensamente a febre da disco music nas boates (70/80) e o surgimento do que foi entitulado ‘Rock Brasil’ (80/90). Detalhe: o citado sortudo ia andando para a sensacional Noites Cariocas, com entrada na Praia Vermelha, subindo nos famosos bondinhos.
O rock brasileiro TODO se apresentou nesse maravilhoso espaço. Na minha – nesse ato nem um tiquinho modesta – opinião, nada irá se comparar ao que era oferecido nas Noites Cariocas (shows, diversos ambientes e a vista panorâmica do Morro da Urca). Durante uma eternidade, nas sextas e sábados, o metido quase adulto esteve por lá.

Detalhe importante: o adolescente Marcelinho, filho da dona Lúcia, ganha de presente de um tio um rádio de tamanho médio. Por uma coincidência celestial, Luís Antônio Melo – mentor da Rádio Fluminense FM, a Maldita – assume a programação da Rádio Globo FM nesse mesmo período e a transforma num mimo. Apesar da ojeriza a tudo que está vinculado ao nome Globo no país, não dá para esconder que esse rádio ficou rouco de tanto que esteve ligado nessa emissora. Posso afirmar, sem preocupação de errar, que o modelo de excelência implantado pelo LAM é imitado até hoje. Pelo menos, tentado.

Já em Salvador, o agora adulto Albert de Souza, se torna sócio da Associação Atlética da Bahia, vira Pocotó e, nas raquetadas da vida, faz amizade (do tipo irmandade) com o encapetado anjo Duda Veloso. Esse, músico de mão cheia, primeiro tecladista da banda Asa de Águia, dono de humor e coração enormes. Amizade ao primeiro copo, deixam de ser apenas colegas do tênis.
Um dia, o clube resolve fazer uma festa com o tema anos 70/80/90. Lá pras tantas do sururu, Pocotó comenta com o seu amigo: ‘Cara, fazer uma festa com essa proposta musical é muito fácil, devido ao imenso repertório dessa época’. É óbvio ululante que ele, bêbado, não usou exatamente essas palavras, mas o sentido foi esse. Duda fica pensativo.

Mais pra frente, o inquieto Veloso, apesar de já ter um estúdio na sua casa na rua Greenfeld, na Barra, encasqueta que quer ter um espaço cultural e começa uma via crusis que dura – errarei a exatidão – uns 6 anos de construção.
Durante esse lapso, Duda reclamava, vociferava, resmungava:
‘Porra, ainda falta a cozinha!’, ‘Porra, é muita obra, é muita confusão!’, ‘Porra, o dinheiro acabou!’.
115.875 porras depois, nasce o maravilhoso espaço Boteco Music Village. Sem nenhum bom senso, ele fala para o amigo farrista:
‘Pocotó, você será o DJ da casa!!!’.
Ponderação:
’Duda, eu tenho um porrilhão de músicas no meu computador, mas eu não tenho como ligar uma na outra, misturar as bichinhas’.
Ao que ele retruca: ’Meu amigo, existem vários aplicativos na internet, inclusive gratuitos, que fazem isso. Se liga!’

FURUNFOU DE VEZ.

O agora já coroa Pocotó – que virou Pockye por razões que merecem outro texto – baixa um desses aplicativos e vira um viciado nas carrapetas da telinha.

A terrível pandemia chega ao planeta, apesar de negada por imbecis extremistas (peço aqui perdão por novo pleonasmo) e faz com que o agora pré idoso, obrigatoriamente preso em casa, viaje virtualmente por vários países em busca de ritmos dançantes.

O setlist do DJ Pockye ganha um recheio admirável. Pela excelência da sua seleção, ele se torna um personagem confiante e arrogante. Seu criador, promoter e falso jornalista/publicitário delira totalmente na sua divulgação. Uma logomarca é providenciada, um chapéu especial adquirido, um perfil no Instagram lançado pelo seu maravilhoso filho Theo.

Pop, rock, funk (original, não o ‘da bundinha’), soul, reggae têm lugar vip na seleção quando a proposta é a de fazer dançar. Além de pequenas festas, set’s dançantes são gratuitamente enviados pelo zap aos interessados.

O DJ Pockye, fã número um da combinação bateria-baixo na base musical, a chamada ‘cozinha’, torce o nariz para músicas eletrônicas e não aceita o uso excessivo de remixes, apesar de não os descartar por completo.

É gestada a Rádio Pocotó FM, que só existe na cabeça do seu criador. Set’s de músicas de happy hour (proposta da ‘rádio’) são enviados aos ouvintes (amigos com paciência elevada) também pelo zap. DNA total da Globo FM do Rio de Janeiro da época citada.

Por fim, cabe aqui deixar claro que o criador do personagem tem o bom senso de entender que se mudou para a terra do axé music, gênero musical que ganhou força nos anos 80/90. Não há, portanto, em hipótese alguma, enfrentamento à cultura local, apenas convicção e respeito a determinada e diversa formação musical.

DJ Pockye não toca o que pedem, apenas o que quer. Seu público – reduzidíssimo -, gosta da atitude desse senhor ranzinza e esquisito.

Respondida a questão levantada no título.
Sem mais,

Boa música a todos.
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Escritor, advogado e DJ