Femínicídio no Brasil. Jornalista chora o pranto de todos nós

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Por Alberto Freire

Em São Paulo, na madrugada de sábado (29), Taynara Souza Santos, 31, foi atropelada e arrastada por mais de um quilômetro pelo ex-namorado, Douglas Alves da Silva, 26, após sair de um bar, em um ataque que testemunhas apontam ter sido motivado por ciúmes.

Foram mil metros de puro sofrimento, com manobras para aumentar os danos físicos e até causar a morte da vítima, que sobreviveu, teve as duas pernas amputadas e agora vai enfrentar o desafio de reconstruir a vida e criar os filhos, de 12 e 7 anos

Quando a comoção e indignação pelo caso brutal contra Taynara ainda indignava e revoltava a todos, um homem invadiu uma padaria e atirou cerca cinco vezes contra a ex-companheira, Evelin de Souza Saraiva, de 38 anos, utilizando duas armas ao mesmo tempo, na manhã de segunda-feira (1) na Zona Norte de São Paulo. Evelin também sobreviveu.

A nova tentativa de feminicídio ocorreu onde a vítima trabalha. As imagens assustam pela crueldade e o incomum uso de duas armas simultaneamente, revelando o ódio extremo e o desprezo pela vida da mulher. Segundo a polícia, o homem foi identificado como Bruno Lopes Barreto, de 36 anos.

Duas mulheres estão definitivamente marcadas por uma tragédia, pelo fato de dizer “não” aos seus ex-parceiros. Uma recusa de continuidade do relacionamento, que desencadeia os sentimentos mais brutais e condenáveis, por homens incapazes de seguirem adiante, como desejavam Taynara e Evelin.

A jornalista e professora Malu Fontes apresentou um texto contundente numa rádio de Salvador, analisando e condenando essas duas tragédias feminicistas. De acordo com a jornalista, o machismo e a misoginia transformam as mulheres em “objeto portátil, de uso pessoal e fisicamente descartáveis, no sentido de biologicamente elimináveis, ao sabor da raiva masculina”, denuncia.  

Nos estúdios da emissora, a jornalista Nardele Gomes ao comentar o texto de Malu Fontes, desabou num pranto incontrolável. Suas lágrimas de indignação e revolta traduzem o sentimento da quase incapacidade em lidar com essa violência cotidiana, que mutila, incapacita e elimina as mulheres em todo Brasil.

Durante o comovente choro de Nardele Gomes, suas lágrimas representaram o choro de milhões de mulheres, diante dessa enorme tragédia que ocorre, principalmente, no ambiente doméstico, e com agressores do núcleo familiar das vítimas.  

Um choro que não pede licença. Denuncia e ecoa os sentimentos aprisionados de cada mulher dentro de si mesma, em um ambiente tóxico, machista e misógino. Nardele Gomes chorou por todas as mulheres. E todos nós choramos juntos com ela.

A indignação expressa no texto de Malu Fontes e no impacto das lágrimas de Nardele Gomes, precisam ser transformadas em ações objetivas, contínuas e institucional.

A violência em números

Os números de casos de mulheres agredidas, ou mortas, não são frios. A Folha de S. Paulo trouxe na quarta-feira (03) uma matéria de Isabella Menon e Paulo Eduardo Dias, com dados estatísticos que evidenciam o estarrecedor viés da violência de gênero. Os números referem-se a São Paulo, mas não precisa fazer grande esforço para correlacioná-los com o restante do Brasil.

Segundo dados do Instituto Sou da Paz, reproduzido na Folha, de cada quatro feminicídios ocorridos no estado, um foi registrado na capital em 2025. Até outubro, a alta foi de 23% na cidade. Comparado com o ano de 2023, o crescimento foi de 71%. São números alarmantes e dizem muito sobre como o machismo tóxico não dá tréguas em pleno século 21.

Em uma pesquisa nacional realizada pelo DataSenado em 2025, os dados revelam que 3,7 milhões de mulheres sofreram pelo menos um episódio de violência doméstica ou familiar nos 12 meses anteriores ao levantamento, o que dá uma média superior a 10 mulheres por dia, vítimas desse tipo de violência.

A pesquisa indicou também que 34% das entrevistadas relataram ter vivenciado, nos últimos 12 meses, pelo menos uma das 19 situações de violência investigadas, incluindo agressões físicas, morais, psicológicas, patrimoniais, sexuais e digitais.

Já no caso mais extremo, o feminicídio, homicídio de mulheres por razões de gênero, em 2024, o país registrou 1.450 ocorrências. Isso representa uma média de 4 mulheres mortas por dia, por esse tipo de crime.

As violências físicas e simbólicas desafiam cotidianamente as políticas públicas e a autopreservação das mulheres em casa, no trabalho, nas ruas, redes sociais, na vida.

Diante desse cenário devastador, é urgente compreender que a violência contra as mulheres não é um conjunto de episódios isolados, mas o resultado de uma estrutura social que naturaliza a desigualdade e legitima a dominação masculina em suas formas mais brutais.

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Alberto Freire é jornalista, doutor em Cultura e Sociedade (Ufba), Mestre em Comunicação (Ufba)