Walter Barretto pensa a fome e a desigualdade em dois livros

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Por Gerson Brasil

Pensar o Brasil fora dos idealismos ou dos pacotes econômicos, que se tornaram majoritários, na tentativa de implementar todas as soluções redentoras do país, é uma tarefa desafiadora, não somente pela abordagem que venha a ser empreendida, como também pela resiliência dos problemas. Na tese de doutorado, “O combate à fome no Brasil: renda básica e cesta básica, políticas públicas e ações das organizações civis”, obtido pela Unifacs/ Universidade de Salamanca, Walter Barretto Jr, arquiteto, urbanista e empreendedor baiano, o desafio está colocado como contribuição, por meio de um alentado estudo sobre o problema da fome e da desigualdade no Brasil e no mundo e o encaminhamento de duas propostas para a discussão no que concerne ao território nacional.

Ao escalar a reflexão sobre a implementação dos dois programas, a Cesta Básica e o Programa de Renda Básica, o autor adotou o reconhecimento de que o país está fincado num modelo econômico excludente, com raízes no período colonial, matriz da formação da sociedade brasileira.

Cotejando diversos autores, desde Thomas Morus, passando por Josué de Castro, Celso Furtado e outros e também abordando empresários de sucesso como Elon Monsk e Mark Zuckenberg, tece uma argumentação de que há possibilidades técnicas e financeiras para se implementar os Programas Cesta Básica e o Programa Renda Básica.

No primeiro caso chama a atenção a abordagem se situar fora dos parâmetros do Estado, como ente principal, como normalmente acontece, resultando em políticas públicas de clientelismo e ancoragem eleitoral, distorcendo o panorama político, estabelecendo uma vinculação de caráter patriótico, quase que hereditário.

Ao abordar o programa Cesta Básica, Walter o pensa “ser liderado por empresários, para distribuir alimentos às pessoas em situação de insuficiência alimentar moderada e grave. O PCB seria um programa social temporário e não definitivo, que teria como ‘porta de saída’ a Agricultura Urbana e o Programa Renda Básica. Concebe-se o PCB sendo planejado, implantado e gerido por líderes empresariais brasileiros, com a participação financeira dos cidadãos, das empresas públicas e privadas brasileiras de todos os portes, do Governo Federal e do Congresso Nacional”. Barretto ressalta que os beneficiários do PCB “podem ser os brasileiros cadastrados nos programas sociais do Governo Federal. Se esse for o modelo adotado, cabe aos líderes empresariais do PCB formalizarem uma parceria com o Governo Federal”.

É bom lembrar que no centro do debate sobre a fome está a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), contemplada com o Prêmio Nobel da Paz em 2020, além de encontros realizados por chefes de Estado, como aconteceu em 13 de novembro de 1966 em Roma, a convite da FAO, na Cúpula Mundial da Alimentação, quando relata Walter foi assinada a Declaração Sobre a Segurança Alimentar Mundial e o Plano de Ação da Cúpula Mundial da Alimentação.

No escopo da tese, editada em dois livros “ O Fim da Fome no Brasil” e “Renda Básica Viável”, que podem ser lidos gratuitamente no E-book na Amazon, há o relato de uma importante instituição francesa, gerida pela iniciativa privada e instituições, que forneceu 142 milhões de refeições de graça em 2022. A “Restos du Cœur”, Restaurantes do Coração, ‘uma associação sem fins lucrativos e de utilidade pública francesa, fundada em 1985 pelo ator e humorista Michel Colucci , conhecido como Coluche’

Ao analisar os restaurantes populares, do Governo do Estado da Bahia, integrantes do Programa Bahia Sem Fome, Projeto Comida no Prato, denominados Cozinhas Comunitárias e Solidárias, Barretto percebeu que “no Edital de Chamamento Público 04/2024 — CGAIPP/CAR, no item 7, Objetivos da Parceria, está definido que o vencedor da licitação poderá utilizar até 50% dos recursos em atividades-meio, ou seja, aquelas que não constituem o objetivo principal do projeto — a compra de alimentos para os beneficiários”, ou seja, uma grande perda de objetividade.

A iniciativa, pelos impactos e gerenciamento, dos Restaurantes do Coração é um bom exemplo a ser seguido, sem correr o risco de políticas públicas equivocadas, como a relatada por Acauã Brochada e Itanielson Dantas Silveira Cruz em “Estímulo ao Endividamento de Estados e Municípios”, no livro ‘Políticas Públicas que Empobrecem o País’. Entre 2012 e 2015 a economia brasileira perdeu fôlego e para retomar o crescimento o governo federal estimulou o endividamento de estados e municípios, com a flexibilização de critérios para contratações de operações de crédito. Dessa forma, o período foi caracterizado pela manutenção da expansão das despesas, menos arrecadação e piora dos resultados fiscais, com o aumento do endividamento público”.

O Programa Renda Básica proposto na tese desenha financeiramente a Lei no 10.835/2004, que instituiu a Renda Básica de Cidadania, conhecida como Lei Suplicy. Barretto propõe a criação da Alíquota da Renda Básica (ARB), que viria ser cobrada por meio de um pequeno percentual de todas as movimentações financeiras, e o arrecadado seria distribuído automaticamente para todos os brasileiros, em valores iguais, via dispositivo eletrônico, evitando distorções, como aconteceu com a CPMF. Desenhada para o setor de saúde terminou subsidiando o caixa do governo federal.

Sem burocracia, todo o cidadão com uma conta bancária seria beneficiado. Numa simulação feita no estudo, Barreto utiliza o percentual de desconto de toda transação financeira em 0,38%, o mesmo utilizado na época da CPMF. Nesse contexto, quanto maior a movimentação financeira total do país, maior seria a participação no recebimento da renda pelas pessoas de menor poder aquisitivo. Obviamente não se trata de uma grande soma distributiva, mas uma proteção para enfrentar as carências.

A renda básica não é um assunto alheio a grandes empresários. “Elon Musk, em 2016, durante uma entrevista para David Z. Morris, na revista Fortune, tratou da Renda Básica como uma possibilidade para enfrentar uma possível redução do emprego em razão do avanço tecnológico”. Thomas Paine foi o idealizador do conceito, no livro Justiça Agrária (1797, o pesquisador Ramón Luis Soriano Díaz, da Universidade Pablo de Olavide, de Sevilha, Espanha, “no artigo La renta básica: Críticas y réplicas, acredita que a Renda Básica é defendida a partir de várias concepções políticas: socialismo, republicanismo e até o liberalismo. O seu reconhecimento, no futuro, provavelmente será em razão de ser um direito social à subsistência e também como uma forma de liberdade”, pontua Walter.

As reflexões contidas na tese de Walter Barretto Jr convidam ao debate fora das proposições redentoras e messiânicas, porém a proposituras que encaminhem o combate às desigualdades de acordo com a racionalidade, mas de persistência duradoura, fora do colo das excepcionalidades.
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Jornalista e escritor